Todos conversavam
amistosamente na mesa. Sorrisos, debates e olhares eram trocados como em todos
os outros encontros e de maneira inédita,
naquele acontecimento semanalmente singular. De repente, um dos colegas se
levanta pedindo licença para atender o celular
- “É algo importante”, se justificava enquanto saía
da sala. Continuávamos conversando
amistosamente na mesa.
Neste meio tempo em que
conversamos, nosso colega volta da ligação
que atendeu. Seus olhos já transmitiam algo de
inquietude, de surpresa. Volta rápido
ao seu lugar, mas não se assenta. Sussurra
baixo à esposa, precisa ir embora. Mas não
era uma saída suave: os movimentos eram pesados, urgentes. A
esposa, e todos nós, perguntamos o que
poderia ter acontecido. Ele, ainda juntando suas coisas, nos responde numa
frase só: “Um sobrinho meu acaba de morrer”. Ficamos atônitos
e logo o silêncio que a morte sempre evoca se colocou entre nós.
“Um infarto fulminante… Tinha 20 anos!”, e agora o silêncio
parecia um pouco mais pesado. Nossos colegas saem trôpegos,
em direção ao luto que os aguarda na cidade onde
um jovem de 20 anos já não
existia mais.
Ficamos, nós
que na mesa conversávamos, por alguns
eternos segundos calados. Uma das colegas quebrou o silêncio:
“Achei que poderia ter sido acidente de carro… Geralmente, nesta idade, a gente
acha que a causa deve ser essa”. Daí,
partimos para profundas reflexões sobre a finitude, a
morte e o morrer e a nossa existência.
E, até agora continuo refletindo. Durante toda a semana,
esse assunto não saiu da minha cabeça:
a morte, tão certa quanto a vida, continua a nos surpreender.
Vem inesperadamente, a qualquer um, em qualquer lugar e a qualquer momento.
Somos de uma cultura
aversa a morte. Associamos o morrer ao final da vida e aos cemitérios
e salas de velório. Permita-se, porém,
nessas poucas linhas que lê comigo, que ela esteja entre
nós, como reflexão.
A negação da morte, de alguma forma, anula a potência
da vida por vivermos uma ilusória eternidade terrena.
Passamos a tudo desperdiçar porquê
não há em nós
a ideia da singularidade de cada coisa, da sua unicidade e importância.
Um jovem de 20 anos morreu. Quanto de vida ali foi tirada? Ou quanto de vida
ali foi vivida? Quando a morte se torna a afirmação
da finitude, a vida ganha possibilidades ainda não
vistas.
Sei que o assunto é
tenso, principalmente neste mês de tantas
festividades. É interessante que os cristãos
do I século celebravam dois aniversários
de seus mártires: o de nascimento e o de morte, que
consideravam ‘o nascimento para a eternidade’. Logo, celebraremos o fim (ou,
poderia dizer, a morte) de mais um ano - que jamais poderá
ser resgatado. Ao mesmo tempo, celebraremos o início
de um novo ano. E não vejo metáfora
melhor para dizer que a finitude é
uma forma de celebrar a vida, o final que se abre para o início…
Tal como aquela mesa, do
início dessa semana, a reflexão
continua aberta em meu coração enquanto penso sobre a
morte. Jonh Donne, poeta inglês do Sec. XVII, escreveu
“A morte de cada homem diminui-me, porque eu faço
parte da humanidade; eis porque nunca pergunto por quem dobram os sinos: é
por mim”. Aquele jovem de 20 anos faz-me pensar na minha morte, e também
me leva a celebrar a minha vida. Numa dualidade difícil,
porém necessária
de experimentar. Jamais sentirei o luto que aquela família
agora está vivenciando, e posso apenas oferecer meus sentimentos
e estas breves linhas como memorial. Não
conhecia o jovem nem a sua família, mas como Donne, a
morte dele é de alguma forma minha morte. Finitos somos nós
e, os que ainda ficam, devem apreciar sua estadia enquanto o fim não
chega aceitando a morte na vida, vivendo a finitude da morte.
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