Pobreza de Experiência


 

“Podemos agora tomar distância para avaliar o conjunto. Ficamos pobres. Abandonamos uma depois da outra todas as peças do patrimônio humano, tivemos que empenhá-las muitas vezes a um centésimo do seu valor para recebermos em troca a moeda miúda do "atual" [...]” (Walter Benjamim)

Qual foi a última vez que você discutiu com alguém, face a face? Quando foi que discordou de alguém e observou a fisionomia daquela pessoa enquanto lutava dentro de si entre a escuta da sua opinião ou a formulação, sem escuta algum, de uma contra resposta? Quando o tom de voz de alguém alterou algo dentro de você e lhe fez calar ou falar mais alto?

Temos dois problemas, do meu ponto de vista, quando falamos de experiência nos dias de hoje. O primeiro é que estamos sacrificando a experiência em prol do resultado. Vivemos tão conectados, tão onipresentes, que sabemos muito mais do que podemos processar e respondemos muito sem nem ao menos dar o tempo de reflexão. Já se envolveu em alguma discussão em qualquer rede social? Eu tenho uma política de não discutir virtualmente, dado que na maioria das vezes as pessoas estão mais envolvidas na vitória do que na construção de conhecimento. Daí a frequência do uso do argumento ad hominem, ou seja, descaracterizar o autor do argumento mais do que o argumento em si. Numa das tantas coisas que ouvi nessa última semana alguém dizia: “Quer discutir de fato? Vá para rua. Tem muita vida acontecendo lá”! Tomei essa frase como filosofia de vida.

Não me veja como nostálgico de um tempo onde não estávamos tão conectados. Não é essa a questão. Aprecio e faço muito uso da tecnologia que temos ao nosso alcance. Minha questão é em relação à qualidade das nossas conexões, o quanto estamos desacreditando do encontro humano por absolutizar a conexão virtual. No virtual, parece que queremos só os resultados, e a nossa aprendizagem de ser gente é uma experiência. Que, junto com Walter Benjamim, concordo que está ficando empobrecida.

Segundo problema: Sem uma experiência de encontro, seja virtual ou real, não conseguimos apreender muito do que somos. Como iremos desenvolver empatia, simpatia, amor quando não encontramos o outro nos espaços de vida que possibilitem isso? E, veja bem, estou falando de experiência: discussão, discordância, raiva... são experiências. No virtual, elas se tornaram resultados, um produto que não conseguimos consumir por que está alienado de nós. Essas experiências, quando empobrecidas, nos embrutecem, nos tornam bárbaros (como Benjamin defende).

Tudo isso é ainda o que venho refletindo, e escrever aqui talvez seja o testemunho de que ainda acredito que podemos realizar encontros, mesmo no meio virtual. Porém, não posso tornar exclusiva essa experiência. O que marca a experiência humana é a pluralidade, é nunca partir do zero: estamos rodeados de história.

Recomendo que leia o texto do Walter Benjamim, “Experiência e Pobreza”, e que reflita comigo. Mas não só comigo: vá discutir com seus pais, seus amigos (e, quem sabe, até com os inimigos, se tiver envergadura e inimigos). Vá ouvir a voz, vá ver o olhar, vá sentir o tom vocal nos seus tímpanos. Como Lulu Santos diz, “(...)Há tanta vida lá fora” e, junto com ele, Lenine “(...)A vida não para”. 

4 comentários:

  1. Uau! Um dos melhores artigos sobre o assunto que já li até agora!

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    1. Obrigado pelo elogio, Pri!
      Espero que estejemos refletindo juntos!

      Volte sempre!

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  2. Olá!
    Uma triste verdade: "dado que na maioria das vezes as pessoas estão mais envolvidas na vitória do que na construção de conhecimento."

    Ótimas reflexões!

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    1. Obrigado pela leitura e pelos comentario...
      Vamos refletindo juntos.

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