Desarmamento



Não foi fácil assistir aos jornais ontem. Aliás, não tem sido fácil lidar com as notícias diárias. Dia após dia somos alarmados com barbaridades que parecem retiradas diretamente de um conto de terror. Particularmente, tento evitar essas notícias para manter minha sanidade mental. Mas ontem fui assaltado pelas notícias.

Zapeando de canal em canal, acabo por cair num destes jornais do início da noite onde o âncora do programa anuncia um padrasto que, para vingar-se da companheira, decidiu matar os filhos dela e, após a tentativa de matar alguns, lhe informa via mensagem de celular que ‘amou matar os meninos’. Primeiro embrulho no estômago, a sensação de tristeza diante da maldade humana. Depois, noticia-se sobre a maior operação contra pedofilia no país e seus macabros resultados. Mais um embrulho, mais tristeza e incredulidade diante da TV. Finalmente o anúncio de que um aluno de um colégio entrou armado, arma de seus pais, e atirou contra os colegas deixando mortos e feridos.

Quanto terror em poucas horas de TV! Nestes momentos, me pergunto quando foi que perdemos o rumo. Quando foi que escolhemos o mal e a destruição como nossas primeiras opções? Questões delicadas, que exigem um profundo exercício de reflexão. E, mesmo sem forças, comecei a fazer já na sala da minha casa. Quando os pedófilos apareciam, meu pai bradava do sofá: ‘Tem que matar essas coisas! ’. Respiro fundo, principalmente por que sinto primeiramente uma identidade com essa fala. Preciso ir além do impulso, da sede de vingança, para então questionar (a mim mesmo) meu pai: “A gente quer justiça ou vingança? Se for vingança, entregue esses criminosos à mercê da população. Se for justiça, precisamos passar por cima da nossa ira e buscar resoluções viáveis”. Enquanto falava, a delegada do caso descrevia a situação. Vi-me surpreendido por ver a emoção engasgada na garganta dela, uma revolta justa e uma sinceridade no reconhecimento da humanidade de quem tem a responsabilidade de cumprir a lei.

Depois vem o caso do garoto com a arma. Esse reacendeu entre nós a discussão sobre o armamento da população brasileira. Argumento de lá e de cá, e no final me calei. Calei-me por sentir que precisamos de outro tipo de desarmamento. É de suma importância as discussões políticas, econômicas e sociais que o armamento pode trazer à população. Porém, antes das armas, precisamos nos desarmar destes preconceitos tão enraizados dentro de nós, dessa violência descontrolada contra os diferentes, do ódio que se traduz nas palavras duras e pejorativas diante dos outros. Precisamos nos desarmar do desamor, da desvalorização da vida humana, do silêncio que faz nosso coração atrofiar, da desconfiança de tudo e de todos, tornando cada dia nosso uma batalha que não termina ao final do dia.

Não são dias fáceis e a cada manhã busco, de alguma forma, esperança para continuar. Mesmo diante destes tenebrosos noticiários, continuo lutando para não ser consumido pela indiferença. Continuo lutando para não perder de vista ‘(...) a criação de um mundo em que seja menos difícil amar’.

1 comentários:

  1. Como sempre, mais um excelente artigo do Jonathan ;)
    Concordo plenamente.

    www.prideluz.blogspot.com.br

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