A Vida Não é Uma Receita de Bolo


 
2 xícaras (chá) de açúcar
3 xícaras (chá) de farinha de trigo
4 colheres (sopa) de margarina
3 ovos
1 e 1/2 xícara (chá) de leite
1 colher (sopa) bem cheia de fermento em pó

- Bata as claras em neve e reserve
- Misture as gemas, a margarina e o açúcar até obter uma massa homogênea
- Acrescente o leite e a farinha de trigo aos poucos, sem parar de bater
- Por último, adicione as claras em neve e o fermento
- Despeje a massa em uma forma grande de furo central untada e enfarinhada
- Asse em forno médio 180 °C, preaquecido, por aproximadamente 40 minutos ou ao furar o bolo com um garfo, este saia limpo

Você, talvez como eu, já se aventurou a fazer um bolo. Talvez, entretanto, tenha alcançado o sucesso que não alcancei nas vezes que tentei. Fazer um bolo não deveria ser um exercício difícil, afinal os ingredientes em suas quantidades e o modo de fazer está todo lá, na receita. Passo a passo, com cuidado, o condutor dos materiais no final da receita deveria ter um bolo, certo? Errado. Lembro-me que, na minha aventura culinária, o que restou a mim foi uma massa disforme e sem cor chamativa, tal como a minha decepção por não conseguir o almejado bolo.

Porém o leitor deve me questionar: você seguiu cada passo corretamente? Usou as quantidades exigidas? Colocou a temperatura adequada do forno? Bem... Darei a você a dádiva da dúvida e colocarei o insucesso na minha falta de manejo. Mas, permita-me outro exemplo: minha avó materna tem mãos divinas na cozinha. Do bolo de cenoura ao biscoito de polvilho frito, suas receitas não são escritas em papéis: estão espalhadas pelas linhas e calos de suas mãos de experiente cozinheira. E o feijão que ela faz? Enquanto escrevo, desejo do fundo do meu coração que pudesse ter uma tigela com aquele feijão grosso e bem temperado, aquele sabor único que, confesso, causa um pouco de inveja até a minha mãe.

Me arriscaria a pedir a receita de um bolo para minha avó. Anotaria cada ingrediente em sua quantidade e seu modo de fazer, tomando cuidadosas notas dos procedimentos que iriam fazer a diferença na receita. Tudo em mente, poderia correr para a casa e com os ingredientes, metodicamente reproduzir as orientações de minha avó. E, sucesso! O bolo sairia bonito do forno, esfumaçado e corado. Cortando com o orgulho de pintor pela sua obra, deixaria o primeiro pedaço repousar no pires enquanto busco uma boa xícara de café. Hora de desfrutar do fruto do meu trabalho. O bolo teria ficado bom, mas não seria o bolo da minha avó. Não teria aquele gosto que me faria, ainda com a boca cheia, soltar onomatopeias de prazer. Seria um bolo bem feito, bonito até. Mas somente um bolo.

Na vida, estamos na mesma situação. Não temos receitas e, confesso, acho que seria mais fácil se alguém tivesse o passo-a-passo da minha existência. Faça isso ou aquilo, deixe isso ou aquilo de lado, escolha isso e não aquilo. Seria somente pegar e reproduzir o modo de fazer. Mas não existe tal receita e mesmo as melhores tentativas fracassam, por pelo menos dois motivos, com suas consequências.

Pode ser que eu falhe na administração dos ingredientes. Ainda que me digam para escolher uma profissão de prestígio social e boa rentabilidade financeira, pode ser que na hora da escolha pese a mão em um critério ou outro, frustrado a possibilidade da escolher certa. Pode ser que na ânsia de seguir a receita sobre ser feliz eu consiga ficar acomodado, vivo, seguro, mas não feliz. A receita talvez me pedisse para arriscar menos e eu, tentando administrar o risco, não colocasse nada.

Eu poderia seguir a receita, metodicamente, e no final obter o resultado. Mas, quem seria eu diante daquele resultado? O gosto das minhas escolhas, da minha formação enquanto gente, experimentado cada decisão certa ou errada da minha vida estariam lá, no resultado final? Ao mastigar o bolo das minhas decisões sentiria o amargo do arrependimento e descansaria meu paladar naquele momento, para depois o doce recheio das experiências únicas que me levaram àquele momento me dariam uma lembrança regada ao café que logo tomaria?

A vida não é uma receita de bolo. A vida é um processo complexo, que exige dos que vivem coragem, onde toda pergunta tem milhares de respostas e cada resposta exclui todas as possibilidades do momento da escolha. Onde me faço enquanto estou sendo e que estou exposto ao risco, ao erro, ao medo e ao acerto e, sempre nisso tudo, ao aprendizado. Não há maneira certa de viver, mas qualidade de vida – o que são aspectos distintos. No mais, podemos compartilhar nossas milhares de perguntas e nos banhar nas experiências de outros, sabendo que ali não encontramos respostas ou receitas, mas maneiras diferentes de nos ver.

Por que, ao final,  nossas vidas sãúnicas, limitadas pelo tempo e pelo espaço e, maravilhosamente, sem possibilidade de repetição, sem receita ou modo de usar. Vidas não foram feitas para serem repetidas, copiadas, receitadas. Foram feitas para serem narradas e contempladas, sentidas e compartilhadas. Não nego que seja difícil, doloroso, que exija de nós toda nossa alma, mas ‘quando o caminho termina, então se começa a viagem’. Ou, parafraseando, ‘quando se para de procurar a receita para se viver, então se encontra a vida’.

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