“O
crisol é para a prata, e
o forno para o ouro, e o homem é
provado pelos louvores que recebe”. Provérbios 27.21 (Citação da Bíblia)
Os
últimos anos têm
sido anos de crise. Conversamos nas filas da vida e essa palavra aparece mais
de uma vez. Ligamos a televisão,
e lá está ela. A crise,
generalizada e aterrorizante, não
poupa a ninguém
e anda a tirar o sono de muita gente. Acabamos no uso comum da palavra gastando
seu significado original e, particularmente, acho isso uma dádiva: o dicionário é o lugar das palavras
mortas, a palavra ganha vida no seu uso cotidiano. Logo, o melhor a se afirmar é que o uso comum da
palavra dá
uma polimorfia de sentidos a ela. Crise se torna o que queremos evitar, o lugar
ruim que não
gera nenhum fruto ou possibilidade. É
a escassez, o arrocho ruim que ninguém
esperava. Porém,
se olharmos bem na raiz da palavra crise, encontramos um surpreendente sentido.
Antes, porém,
falemos do Crisol, pois você
leitor deve estar curioso em saber o que é
esse tal título.
Crisol
é um objeto utilizado na
fundição de metais preciosos e
também pode ser chamado de
cadinho. Nele, ouro e prata passam por processos de fundição a altas temperaturas e
por isso sua estrutura precisa ser de materiais como o grafite ou argila. O
ouro é purificado no crisol, e
as ligas de prata também
são realizadas neste
objeto familiar aos ourives. O que o Crisol tem em comum com a crise? A raiz do
nome! Crisol tem como raiz vocabular a palavra crise, que remonta ao Sânscrito e ao grego. No
primeiro, significa ‘purificar’; já
para os gregos, significa ‘tomar uma decisão’.
Quando
Salomão escreveu que o ‘o
homem (ser humano) é
provado pelos louvores’ poderia estar indicando pelo menos duas coisas: somos
constituídos naquilo que falamos
e naquilo que falam de nós,
e que precisamos de um crisol. A crise, a temida situação de dificuldade, é o lugar onde somos
profundamente revelados a nós
mesmos – é
daí que os louvores, ou
melhor, o testemunho humano – ganha materialidade. Enquanto que o crisol é o local da purificação, o lugar onde nosso
caráter passa pelas mais
altas temperaturas e pelos mais dolorosos processos de separação, ele também é local de ‘tomar uma
decisão’.
Nada
marca mais uma pessoa do que as decisões
que ela toma. Já
diria Sartre que somos condenados a escolher, a decidir. Tomar uma decisão ganha mais significado
na crise, no crisol. A produção
de quem somos será
positivamente considerada quando o que precisar ser deixado para trás tomar o seu destino.
Renúncias, dolorosas renúncias! Todas fazem parte
do crisol. É
necessário que a rachadura do
nosso status quo aconteça
e então venha à tona a crise.
Falando
em crise, em quebra, me vem à
memória o livro “Demian”, de
Hermann Hesse. Nele acompanhamos a história
de Sinclair, um jovem que vivencia uma crise ímpar
na sua existência.
É acompanhado por um
amigo em um contexto de guerra, de insegurança
por dentro e por fora. Porém,
a reflexão que advém desse momento cabe
para melhor descrever o crisol pelo qual passaremos sempre que vivos: “A ave
saiu do ovo. O ovo é
o mundo. Quem quiser nascer tem que destruir um mundo”. A crise é o lugar onde mundos são destruídos, onde precisaremos
juntar os pedaços
ou chorar por não
poder juntá-los.
É o lugar onde melhor
poderemos nos ver, na crueza dos nossos sentidos. É onde derrubamos árvores que nos são tão queridas e que agora
precisa ser combustível
para o fogo que irá
permitir a vinda do novo. É
possivelmente na crise que renascemos mais fortes, que crescemos
significativamente. O que precisamos não
é desprezar a crise, mas
vivenciá-la como podemos fazer.
Sem ela, poderemos estar condenados a apenas uma versão de nós. E não seria justo da nossa
parte tal pequenez.
Como sempre, excelente e edificante a reflexão!
ResponderExcluirObrigado pela leitura, Pri de Luz!
ExcluirFeliz por sua atenção! =)
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirExcelente Jonathan!
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