Pé-de-Cabra


 

Tenha amigos que sejam um pé-de-cabra na sua vida. Sou desses que, tal como uma ostra, tende a sempre a querer fechar-se. Seja por medo, por uma falsa sensação de segurança que chamamos de comodismo, minha concha sempre quer se fechar. Naturalmente, em ritmos mais acelerados ou lentos, a concha volta a sua posição anterior: fechada, protegida, confortável e… feliz?
Esses meus amigos, quando veem que a concha começou seu movimento, não hesitam: correm a emperrar todo o processo. Esperneio, faço a força para que o fechamento continue. Eles, como pé-de-cabra que são, decidem que ao invés de impossibilitar o movimento de fechar, vão impedir que a concha se feche. Se colocam, interpostos, entre as duas conchas, mantendo o vão. E, por esse vão, as trocas continuam.

Eles, melhor do que eu, sabem que o que temo é a dor. É o desconhecido que no exterior cresce e assombra e que, inevitavelmente, machuca. Aquele pequeno grão de areia, sólido e pontiagudo, não demora a encontrar o vão e sinto, no fundo da minha dorsal, a lacerante dor. Mas que amigos são estes que não me guardam de sofrer?

Eles são os melhores.

Justamente por eles também sofrerem, por conhecerem o movimento da minha concha na experiência de concha deles. Ou de pássaro sem asas, ou de peixe sem mar… Meus amigos são ricos em metáforas. E, confessam, eu já fui o pé-de-cabra deles. E, quase num imperativo ético de nossa amizade, eles não podem permitir que me feche e não podem evitar a minha dor. Meu incômodo, minhas dúvidas, minhas incertezas. Deixem-me fechar! Não quero sentir essa dor.

Mas, enquanto forço ainda na vã esperança de conseguir diminuir o sofrer, eles solicitamente saem. Não há mais força para fechar a concha… A dor, que aqueles benditos passaram comigo, agora parece estar produzindo alguma coisa: não uma das melhores pérolas, mas a minha pérola. Eles foram pacientes, lutaram contra a força do fechar e do sofrer para que ambos me possibilitassem produzir.

Não tenho outra forma de lhes agradecer a não ser lhes dizendo: procurem amigos que lhes sejam pés-de-cabra. Sem eles, as coisas poderiam ser menos dolorosas, mais confortáveis. Mas, lhes garanto: não seriam tão maravilhosamente belas.
  
Nota: este texto é dedicado a Teissi e Márcio.

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