Autor: Drauzio Varella
Páginas: 224
Editora: Companhia das Letras
Ano : 2004
Classificação: 5/5
Sinopse: Nesta obra, Drauzio Varella reflete sobre o impacto da convivência com a dor e com a perspectiva da morte no comportamento de pacientes e de seus familiares. Ao especializar-se em oncologia numa época em que o câncer ainda era chamado de 'aquela doença', Drauzio passou a ter contato diário com doentes graves. Dos trinta anos de experiência clínica, ele pinçou histórias reveladoras da alma humana diante da doença. Há narrativas tristes, mas também histórias de curas quase impossíveis, graças aos avanços da medicina, ou mesmo de existências que encerram com tranquilidade. E, ainda, episódios de mudança de vida, como se a visão da morte fosse um divisor de águas que confere novo sentido ao futuro.
Há algum tempo descobri a
existência de livros que em sua serena beleza são capazes de despertar no
leitor dois desejos antagônicos: o primeiro de ler desenfreadamente a ponto de
consumir todas as páginas de uma só vez; o segundo de que a leitura nunca
chegue ao final. Para mim, definitivamente, Por
Um Fio é um desses livros, pois a singularidade de cada uma de suas
crônicas aguçou-me de tal maneira que eu sempre queria ler mais uma e mais uma,
por outro lado, cada nova emoção vivenciada fazia-me desejar uma leitura
eterna. “Não acabe, por favor!”, era o meu pedido contínuo no decorrer da
leitura de um dos melhores livros que já li.
Os trinta anos de exercício
da medicina renderam ao doutor Dráuzio Varela, renomado médico brasileiro,
histórias impressionantes de pacientes em fase terminal, verdadeiras pérolas de
vida que sabiamente foram selecionadas para compor Por Um Fio. Contudo, engana-se quem pensa que o livro resume-se a
isso, ou seja, crônicas. Pelo contrário, essa obra certamente poderia ter sido
intitulada como Confissões de Um
Oncologista ou então Diário de Um
Médico, uma vez que o autor divide com o leitor não apenas fatos relevantes
de sua vida, como também pensamentos, amadurecimentos, medos, sentimentos e
questionamentos. Da infância à velhice, um pouco de tudo, um muito de uma vida,
tudo isso encontra-se em Por Um Fio.
Já nas primeiras páginas o
leitor é trazido para dentro da vida do doutor, visto que o ponta pé inicial da
obra é o triste relato da morte da mãe do autor quando ele ainda era menino. O
começo da carreira médica também está registrado em Por Um Fio e, portanto, o primeiro e inesquecível falecimento
dentro do contexto hospitalar. O autor segue com reflexões sobre a vida e a
morte, o paralelo mais intenso que a humanidade conhece e, vai além, dividindo
conosco suas motivações para escrever o livro em questão e as inseguranças
oriundas deste desafio. A partir daí começam as crônicas.
“Ao dar a notícia de uma doença ameaçadora, testemunhei as mais desencontradas reações, da revolta expressa à surpresa atônita, do mutismo à aceitação passiva, do choro compulsivo ao riso espástico. (...) Ao atravessar a porta do pronto socorro, tomávamos consciência do mundo exterior, das ruas movimentadas e das pessoas alheias à sorte daqueles de quem havíamos cuidado o dia inteiro. (...) Só quem padece de dores contínuas conhece o prazer de passar duas horas sem elas”.
Cada capítulo traz consigo
uma história única de um paciente único. Mas, todos os capítulos têm uma coisa
em comum: focam no que há de mais singelo na vida desses pacientes e terminam
de um jeito inusitado. Em virtude disso, inúmeras vezes precisei respirar fundo
para seguir adiante com a leitura, pois o autor fora extremamente sábio tanto
na escolha das histórias como na forma de narrá-las. Assim sendo, com uma
linguagem carregada de emoção e por vezes lírica o Dr. Dráuzio Varela honrou a
intensidade do drama e profundidade de cada história de vida compartilhada.
Dessa forma, sem pedir licença um viés de reflexões invade nossa mente. Morte,
vida, relacionamentos, prioridades, gratidão, escolhas, riscos, tudo isso e
muito mais passou pela minha cabeça enquanto eu lia Por Um Fio.
O sofrimento dos pacientes é
impactante e cala fundo em nós, calou fundo em mim. As narrativas fazem-nos
enxergar pelos olhos daqueles que com dias contados veem o que muitas vezes a
mecanização da vida diária impede-nos de ver. O maravilhoso “efeito colateral”
da leitura é a gratidão que nasce em nós e a atenção que surge em relação às
belezas simples da vida. De repente, sem mais e nem menos, alguns pensamentos
que os pacientes deixam escapar em seus diálogos remetem-nos a certeza de que a
saúde e a vida dos entes queridos são privilégios imensuráveis. Tais
constatações se levantam repentinamente e como um tapa na cara são capazes de
nos despertar para a vida que há em nós, nos outros e no cotidiano. Em
contrapartida, ao lado do sofrimento que exaure a vida, o caráter humano dos
acompanhantes/familiares é exposto de tal maneira que e o que há de pior nele (avareza,
egoísmo, insensibilidade, falta de empatia) muitas vezes enoja-nos.
“Não são poucas as situações às quais somente atribuímos significado especial e que lamentamos não ter sentido alegria suficiente em viver quando já pertencem ao passado. (...) Custei a aceitar a constatação de que muitos de meus pacientes encontravam novos significados para a existência ao senti-la esvair-se, a ponto de adquirirem mais sabedoria e viverem mais felizes do que antes, mas essa descoberta transformou minha vida pessoal: será que com esforço, não consigo pensar e agir como eles enquanto ainda tenho saúde?”
Fato é que o doutor Dráuzio
Varela é um observador nato e um aprendiz eterno, isso ficou evidente em sua
obra. O autor foi sagaz em dialogar conosco, em provocar-nos a repensar a vida.
Em Por Um Fio foram vários os
questionamentos levantados por ele e deixados sem resposta, consequentemente, a
leitura funciona como uma conversa em que o autor fala e as emoções do leitor
respondem. Tenho que salientar ainda que a paixão do doutor pela medicina
marcou presença no livro. A maneira como em vários momentos ele enalteceu a
medicina foi tocante, bonita e inspiradora. Portanto, é possível dizer que há
nessa obra um olhar apaixonado de um médico que mesmo depois de uma vida
dedicada a mesma profissão ainda vive a paixão única de fazer o que se ama,
além disso, uma medicina humanitária prática faz-nos voltar os olhos para o
verdadeiro sentido da medicina.
“Não posso imaginar outra atividade capaz de retribuir o empenho profissional com tanta generosidade como a medicina o faz”.
Como cristã tenho que
confessar que o ateísmo presenta na obra me incomodou, revoltou e entristeceu
bastante, principalmente quando ele era evidenciado por pacientes. Porém, tal
inquietação não se deveu a falta de fé em si, mas sim à hipocrisia presente no
mundo cristão, a qual pode ser responsabilizada por boa parte daqueles que
perdem a fé no Deus de amor. Em determinado momento do livro um paciente com
dias contados disse que mesmo no estado deplorável em que se encontrava ainda
assim não conseguia crer em Deus, pois, segundo ele, a fé era algo exclusivo
das pessoas irracionais. No momento em que li isso pensei em como um mau
testemunho pode impactar uma vida e testificar de qualquer coisa menos de Deus
e, consequentemente, originar falta de esperança. Triste!
Em suma, posso dizer
que me apaixonei do início ao fim de Por
Um Fio. Um livro lindíssimo, envolvente, marcante e inesquecível. A
linguagem é simples e instigante o que faz com que a leitura seja hiper fluída.
Com certeza uma ótima pedida para aqueles que não têm muito tempo para ler e
que gostam de drama, mas particularmente eu o indicaria para qualquer pessoa
madura, visto que a leitura dessa obra é capaz de humanizar o leitor. No mais,
só acrescento que terminei o livro com aquele tipo de choro irrompido que nos
faz desejar o conforto que só um abraço pode oferecer e
com a certeza de que esse foi um dos melhores livros que já li na vida.
Parece bom! sua resenha despertou minha vontade ler!
ResponderExcluirAbraços!