Como Pegar Pernilongos


 

Estamos caminhando para o verão, passando por esta bela estação que é a primavera. Flores das mais diversas e vivas cores enchem nossos olhos e nossa alma de beleza. As mudanças climáticas não são, porém, só belezas: já acompanhamos tempestades que trouxeram alguns transtornos à população. No geral, ensinam os entendidos do assunto, temos duas estações bem marcadas em nosso país: o inverno e o verão. Muitos já digladiaram diversas horas para decidir qual estação é melhor, numa discussão sem muito sucesso: os ‘invernistas’ continuam reclamando do verão e os ‘veranistas’ reclamam do inverno.

Duas estações bem marcadas, com características distintas e definidas. E, onde estou morando, uma característica chama a atenção: pernilongos. De diversos tamanhos, fazendo seu trabalho de sugar sangue, causando coceira e incômodo, e seu barulho característico, sempre alto e estrategicamente intenso no momento em que o inseto passa perto do seu ouvido. Geralmente os insetos, no seu arranjado projeto, se tornam mais ativos nas altas horas da madrugada, fazendo os que tentam dormir levantar-se e travar um duelo com as mãos nuas ou com uso de gadgets tecnológicos.

Nos diversos embates, não há satisfação maior do que a espera estratégica de que o pernilongo repouse, descuidadamente, sob qualquer superfície para que seja pego num golpe só – seco e rápido. Com a mesma chance, a frustação de errar o golpe e se ver humilhado com o voo do inseto sobrevivente aparece ao que tenta defender sua pele e seu sono.

Pernilongos e sentimentos tem semelhanças estratégicas. Ambos podem se tornar mais aparentes em determinadas estações da vida, naquelas em que as situações desidratam a alma e a sombra é a única ambição viável. Em que suamos muito e conseguimos pouco, em que o zumbido de alguns sentimentos se torna mais frequente que outros. Ainda em semelhanças, alguns destes sentimentos cismam de aparecer nas altas noites, trancando nossas gargantas e fazendo nossas mãos suarem, e o nosso sono voar pela janela. Aqueles pequenos sentimentos, ignorados em estações passadas, agora não lhe dão descanso, seja pelo barulho que causam ou pela dor que desencadeiam ao se encontrarem com a sua pele, com a realidade do que você experimenta.

Porém, diferente dos insetos de verão, sentimentos não podem ‘morrer’. Podem mudar, crescer... Mas, morrer? Acho pouco provável. Um humano que deixou de sentir, o que quer que seja, é um morto vivo, uma exceção da existência. Não matamos nossa tristeza, nossa ansiedade ou a raiva: podemos, infelizmente, nos matar por elas. Seja de uma vez ou, tragicamente, pouco a pouco a cada frustrada tentativa de ignorar o sonoro aviso que aparece ou de atacar sentimentos que não nos demos nem ao trabalho de entender.

Ainda, finalmente, há duas estratégias que tomo contra os pernilongos – meus inimigos noturnos – que consigo ver sendo usada na lida com meus sentimentos. Não se golpeia pernilongo voando. Quando se acerta um no ar, é acaso. O mais estratégico é deixar o pernilongo se aquietar, repousar e então executar a ação final. Não tente lidar com seus sentimentos enquanto eles estão em pleno voo: deixo-os aquietar no fundo da alma. Assim, será mais fácil ver o que realmente se está sentido.

A outra coisa é que dentre todas as tecnologias que possuímos, o diálogo ainda é o melhor caminho para entender o que sentimos. Quem não tem com quem verdadeiramente dialogar precisa urgentemente encontrar alguém assim: um outro que lhe permite, que lhe dá as vias da escuta. Quem escuta pode falar melhor sobre o que escutou, e quem fala, entender melhor o que falou. Pernilongos nunca vão acabar. Eles fazem parte (e, quem sabe, tem a sua função) do ambiente em que vivemos. Em certos momentos, eles aparecem e incomodam mais. Em outras estações, não. Tal como nossos sentimentos. 

1 comentários:

  1. Essas crônicas do Jonathan são sempre interessantes!
    Amei a comparação dos pernilongos com sentimentos irritantes e indesejáveis.
    Obrigada por compartilhar,
    Pri de Luz

    www.prideluz.blogspot.com.br

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