Autor: Edmund Burke
Páginas: 361
Páginas: 361
Editora: Vide Editorial
Ano : 2017
Classificação: 4/5
Sinopse: Um dos maiores clássicos do pensamento conservador, se não o texto fundador mesmo da concepção moderna de conservadorismo, estas Reflexões sobre a Revolução na França, do estadista irlandês Edmund Burke, foram feitas pelo autor a um correspondente seu na França em forma de carta, e posteriormente publicadas, até pela pertinência e assombrosa assertividade de sua análise dos fatos então recentes ocorridos na França. Esta edição, além de tradução direta do original e muitas notas explicativas, traz ainda um ensaio introdutório de João Pereira Coutinho, escritor e jornalista português especializado na obra de Edmund Burke.
Reflexões sobre a Revolução na França é
um daqueles livros sobre o qual eu conhecia muitas ideias, mas nunca tinha
lido. A obra, escrita por Edmund Burke (um parlamentar inglês nascido em 1729) é,
na verdade, uma grande carta escrita para um magistrado francês, conhecido seu,
que lhe pedira uma opinião sobre Revolução Francesa. O fato de ter sido
projetado como uma carta é, em minha visão, um dos pontos negativos do livro.
Trata-se de leitura extensa, sem capítulos, com um fluxo de assuntos que
poderiam ter sido mais bem organizados em porções específicas menores dentro da
obra. Mas o autor estava ciente disso e também da extensão incomum para uma
carta. Logo em sua introdução, afirma ao leitor, falando sobre si mesmo em
terceira pessoa:
Inicialmente pensou em publicá-la no começo da primavera passada; mas, levado pela matéria, percebeu que a tarefa empreendida não só excedia em muito a extensão de uma carta, como também exigia, por sua importância, uma consideração detalhada e para o qual ele não tinha então tempo disponível. Entretanto, havendo exposto seus pensamentos em forma de carta e com a intenção de que fosse uma carta particular, quando seus sentimentos ganharam maior desenvolvimento, resultou difícil o autor dar a eles outra direção. Não lhe escapou que um outro plano poderia ter sido mais favorável a uma melhor divisão e distribuição da matéria (p. 26).
Apesar
dessa estrutura não muito favorável, o valor da obra é gigantesco. Burke não
poupa sinceridade em suas análises a respeito da revolução. E são palavras
duras. Seu ponto de partida são aprovações públicas que duas sociedades
londrinas da época deram a alguns atos praticados na revolução. Em carta
anterior enviada a Burke, o magistrado francês mencionou as duas, crendo que
elas expressavam a opinião corrente dos ingleses sobre o movimento em curso na
França. Em resposta, Burke faz uma análise da pouca relevância das supracitadas
sociedades na Inglaterra e avalia as falhas nas visões das mesmas.
Para
Edmund Burke, a Revolução Francesa não era digna de exaltação. A maneira como
os revolucionários estavam conduzindo o movimento de reconstrução da França era
violenta, sem senso das proporções e não levava em conta as boas tradições e
estruturas antigas. A primeira lição de Burke, portanto, é a análise prudente.
Ele afirma em um ponto da obra:
Pelo fato de a liberdade em abstrato poder ser classificada entre as dádivas da humanidade, poderia eu seriamente felicitar um louco, que fugiu da coerção protetora e da total obscuridade de sua cela, por poder gozar novamente da luz e da liberdade? Iria eu cumprimentar um assaltante e assassino que tenha fugido da prisão, por ter readquirido seus direitos naturais? (p. 30).
Assim,
para Burke, ele deveria se “abster de felicitar a França por sua nova liberdade
até que tivesse conhecimento de como essa liberdade se harmoniza com o governo,
com o poder público, com a disciplina e a obediência dos exércitos, com o
recolhimento e a boa distribuição dos impostos, com a moralidade e a religião,
com a solidez da propriedade, com a paz e a ordem, com os usos civis e sociais.
Todas essas coisas são (à sua maneira) bens, e se vierem a faltar, a liberdade
deixa de ser um benefício e tem pouca chance de durar muito tempo” (p. 30).
O
parlamentar inglês demonstra de maneira convincente, após essas observações de
prudência, que a revolução na França muito se diferia da revolução inglesa do
século passado. Os ingleses haviam procurado, apesar de uma ruptura na
monarquia, manter o sistema, apenas fazendo reparos pontuais no que precisava
ser melhorado. Na visão de Burke, houve o cuidado para não fazer desmoronar
todo o sistema político, a ordem e a estabilidade presente e futura. A França,
fazendo o exato oposto, estava plantando as sementes da instabilidade e da
desordem, além de jogar fora tanto aspectos ruins de seu sistema político (que
precisavam de reforma) como aspectos bons, que deveriam ser preservados. Burke
conecta isso à violência e abusos que vinham ocorrendo no país e também com a
projeção dos prejuízos que os princípios revolucionários franceses poderiam
levar à Europa.
Ao
contrário do que se possa pensar, Burke não era contrário a mudanças. Mas
entendia que elas precisavam ser bem pensadas e localizadas. Ele afirma que é
possível conciliar “o uso de uma regra fixa e um desvio ocasional da mesma”,
que “a mudança deve ser limitada à parte deteriorada; à parte que tornou o
desvio necessário” e que arremata dizendo que “Um Estado sem meios para mudar,
não tem meios para se conservar. Sem esses meios, corre até mesmo o risco de
perder aquela parte da Constituição que com mais devoção desejaria conservar”
(p. 44).
A
leitura de Reflexões me propiciou gemas maravilhosas de pensamento analítico e
prudente. O autor britânico nos ensina a enxergar as situações para além da
afobação inicial, buscando não destruir estruturas sociais importantes que
levaram tanto tempo para serem erguidas; nos auxilia a pensar em maneiras mais
inteligentes de mudar o que precisa ser mudado, mantendo o que precisa ser
mantido. Independente de se concordar ou não com a visão política, econômica e
cultural de Edmund Burke, sua leitura é um clássico e representa um “outro lado
da moeda” bastante importante, tendo em vista que, no geral, as escolas e
faculdades dão mais ênfase às análises pró-Revolução.
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