Mas, veja, preciso desde já lhe alertar: há mais histórias do que páginas e livros. Inventamos esses dispositivos para tentar enganar o tempo e eternizar o que é mais importante. Mas, não conseguimos... Existem histórias que estão presas ao som vibrante das cordas vocais, intocáveis pelas letras e pelos livros. Faz-me lembrar de um velho ditado que diz “quando morre um idoso, é como se incendiasse uma biblioteca”. Pessoas são histórias singulares, profundamente reais e que somente os ouvidos mais atentos podem captar.
Ainda quero ter a
experiência de colocar duas cadeiras em uma praça, sentar-me em uma e, na
outra, sinalizar “Ouve-se atentamente histórias”. Imagine o poder de uma escuta
ativa! Histórias que jamais conhecerão as páginas brancas, mas que tocaram as
imateriais páginas das emoções. Quantas
coisas poder-se-ia ouvir? Enquanto
escrevo, me lembro do início da fabulosa “Central do Brasil”, com Fernanda
Montenegro, onde a escritora de cartas ouve e passa ao papel o dito, mas nós, expectadores, ficamos com mais que isso – ficamos com o sentido no dito.
Paradoxos da escrita, ganhar e perder no registro do tempo.
Vivemos em momentos de
perdas. Vidas estão esvaindo-se por conta de uma catástrofe sanitária, um
inimigo invisível e mortal. Números são constantemente alardeados nos meios
comunicativos, mas seriam os números suficientes para expressar as histórias?
Não, eles não são. Ouvi de um filósofo certa vez que o valor da vida humana é
absoluto, enquanto a estatística é relativa. E, concordando com tal filósofo,
atesto que tragicamente caminhamos para uma relativização do mais absoluto – a
história singular humana.
Quando
uma voz humana se cala, quando o tempo absorve o que era vivo, uma história se
concluí. Uma soma demasiadamente grande para calcular de experiências se vai
junto da matéria que se deteriora. E não se iluda: há tanta riqueza num infante
quanto num idoso, já que a vida tem valor absoluto. A estas preciosas
histórias, te peço, tenhamos ouvidos mais atentos e atitudes mais empáticas.
Guardemos nos corações as tantas histórias que nos são entregues e, continuemos
tentando enganar o tempo, escrevendo o que podemos nas nossas pobres linhas,
para que não sejam esquecidas. Pode ser que o truque não engane o tempo, mas pode
ser que venha enobrecer as mulheres e os homens que registrados, de alguma
forma, ficarão.
E isso, acredito, deve bastar.
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