Nessas idas e vindas da
vida, num lugar comum como uma sala de aula, fazia a apresentação de seu texto. Em sua
mente, tal obra era impecável
e alcançava todas as questões que eram propostas
durante a discussão.
Sentia, sinceramente, uma genuína
alegria pelo trabalho que acabara de apresentar. Um silêncio sepulcral se
instalou após
a leitura, e não
era recriminador. A suspensão
do momento estava no impacto que a escrita tinha alcançando em cada um. Salvas
de palmas e alguns comentários
e a rodada de trabalhos continuou. E foi então que aquela alegria começou a dar lugar a outros
sentimentos.
Inicialmente, o que ele
tinha dentro de si era raiva. Sentimento motivado por ver que seus colegas
tinham trabalhos melhores, maiores e mais profundos que tocavam em diversos
aspectos que ele não
tinha pensado. O que outrora era uma torre forte de certezas se tornou um monte
de cartas - outrora castelo, agora monte. Aonde a sua genialidade? Seu processo
criativo? Sua originalidade? Não
sobrava mais nada, só
a raiva de descobrir sua incompletude.
Logo, porém, a raiva começou a abrandar-se.
Ouvidos que escutam de verdade são vias para vida em corações raivosos. Um
apontamento feito em um dos trabalhos o impressionou, outro o fez ver sua própria opinião por outros aspectos.
As lágrimas de uma colega se
tornaram suas enquanto ela contava dos desafios que atravessara para chegar até ali. Mais um e outra, a
incompletude foi tomando uma cadeira e escolhendo uma boa xícara para repousar no
coração do escritor de
trabalhos acadêmicos
que se percebera gente em construção.
A incompletude se faz
marca humana. A concepção
de legado, por exemplo, é
o testemunho daquilo que fizemos na ocasião de nossa ausência, ou seja, mesmo naquilo que consideramos
‘completo’ existe a incompletude de nossa presença. Olhando bem para o espelho da realidade o que se
reflete é que sempre falta. E
isto incomoda, chega a doer. Queremos que seja completa nossa existência e, todavia, o que
notamos, a cada dia que passa, é
que temos menos dias – e esses são incompletos. Invadidos por tal sentimento,
caminhamos pela perigosa via da raiva, do ódio, do querer mal a quem parece mais completo (ou
seria menos incompleto?) que nós.
Tome nota: em algum momento
a incompletude irá
dar suas caras na sua existência.
E, tal como o escritor da história
que conto acima, você
experimentará
diversos sentimentos. Porém,
se permite escutar. A beleza da incompletude é que posso olhar para os outros na esperança de apreender algo que,
sozinho, não
conseguiria. Ser incompleto pode nos mover a comunhão com outros, nestes
tempos em que andamos tão
cheio de gentes, mas tão
sozinhos. Ver os outros nas suas singularidades que jamais alcançarei não poderá me diminuir se entender
que são essas singularidades
que fazem tudo tão
belo. Pois a beleza está
em podermos fazer o que podemos e estarmos com outros que fazem aquilo que não poderíamos fazer. A vida pode
ser incompleta, porém
jamais sem beleza.
E sobre beleza, deixemos
uma cadeira reservada para quando ela chegar.
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